28 março, 2011

Desenho_legenda

Sentei-me num banco ao lado de um homem esquelético. Mal deu pela minha presença pediu-me um cigarro. Respondi-lhe que não tinha. Não me pediu mais nada. Levantou-se, deixando o banco só para mim.

Olhei em frente. O meu olhar percorreu a estátua, da base até ao topo. “Está calor” queixei-me. Os pombos começavam a juntar-se à minha volta. Ao contrário do homem, estes não iam deixar-me em paz. Tirei o caderno do bolso. Comecei pelo Pedro Nunes, calculei mal as proporções e o Luís Vaz não coube no sítio certo. Rodei o caderno e deitei o poeta aos pés dos seus discípulos.

Um curioso, e depois outro, pararam nas minhas costas. “Mas porque é que eles fazem sempre isto?” pensei. Fingi que descansava e pousei o caderno. Afastaram-se. Recomecei. Figura-fundo. Silhueta dos poetas contra o azul das fachadas pombalinas. O eléctrico 28. “Está calor” queixei-me outra vez. O clima é o pior inimigo do desenhador de rua. Pior que os curiosos que param nas minhas costas. Mais valia que se sentassem ao meu lado. Ou que desenhassem também. Ou que afastassem os pombos.

“Está calor” queixei-me mais uma vez. Levantei-me e fui para a sombra do quiosque. “Do refresco” chama-se este. Recomecei a desenhar. Uma mãe e filha, que também fugiam do calor, fitavam-me. A miúda aproximou-se:

- O que estás a desenhar?

- O que os meus olhos vêem.

- E porque desenhas?

- Para me lembrar deste momento. Das cores, dos cheiros, do barulho, do Sol. Está tudo aqui, no desenho.

A miúda franziu o sobrolho e afastou-se desconfiada.

“Está calor”. Guardei o desenho. Troquei o refresco pela imperial.

Não se assustem. Não vou começar aqui a escrever. O texto faz parte de um pequeno exercício do curso “Escrita de viagens” que tivemos que realizar a partir de uma imagem nossa. O formador é o Filipe Morato Gomes que tem um livro e site com o mesmo nome "Alma de viajante".
---

11 comentários:

Cate disse...

Belo desenho! E relato! Vou querer saber mais!

JASG disse...

A avaliar por aqui, só lamento que não escrevas mais.

Os desenhos já sabemos que são excepcionais.

(reparei agora: quando é sentido, até rima)

abr.

José Louro disse...

Muito simpático caro amigo. Obrigado :)

Pedro disse...

O texto também é bonito!

Monica Cid disse...

:) gostei muito do desenho, e do texto também! Revela a honestidade que te é própria, com um toque de refilão charmoso ;)
Expressas bem o desconforto que é por vezes desenhar na rua.

Anónimo disse...

Parabens ao blog, uma festa para os olhos… saudações de um novo leitor!

Ketta disse...

Ó Zé, ó Zé! Vejo que o curso já te está a fazer efeito! Venham mais!

Charlotte disse...

Sorry to post in english, but I wanted to tell you that I think your sketches are absolutely beautiful!

marisamar disse...

Mas que bela surpresa este momento narrativo que acompanha o desenho. Gostei muito. Mesmo.

Jóias da Rita disse...

Gostei do desenho, mas sobretudo adorei o texto!! Escreves muito bem mesmo! Beijocas

Margarida disse...

Está mal!
eu a pensar que estavas a escrever um romance com letras (costumas escrever com imagens)
Está mal! Estava a gostar tanto!...