20 março, 2009

Sintético, eficaz, abreviado, conciso, inútil.

Conforme notou uma leitora atenta e perspicaz deste bolgue, os adjectivos que estão escritos na página do primeiro desenho do post abaixo não se referem ao encontro anunciado em título, mas ao tipo de expressividade do desenho que é característico dos diários gráficos. Eles foram, aliás, retirados das palavras do Mário Bismarck, na sua apresentação. Gosto muito da expressão «desenho abreviado». Quando falamos de um desenho que parece pouco acabado ou que mostra pouca preocupação pelos detalhes, não significa que estamos a falar de um desenho que não se preocupa pela representação integral do motivo, como outros que parecem mais "fotográficos" É por isso também que prefiro a expressão «apontamento» a «esboço». «Esboço» deriva do italiano Bozza, que significa, originalmente, uma pedra sem desbaste, pouco acabada. A evolução deste significado original para outro, o de um género gráfico, pode remeter para um tipo de desenho que foi deixado inacabado ou incompleto. Não é normalmente o caso dos desenhos dos diários gráficos, a não ser que seja um tique estilístico. A preocupação da representação pelo todo observado é muito mais frequente neste tipo de suporte. Tem é limitações de tempo, que é talvez a maior condicionante do desenho dos caderninhos. É por isso que tem que ser sintético e, quando é esse o objectivo, eficaz.
Mas, e perdoem-me a petulância, também não é de esquissos que estamos a falar, como me parece que se lhes referiu o mesmo Mário Bismarck. O esquisso, que deriva do italiano Schizzo, refere-se a um desenho que é feito de rajada, de “esguicho”, rapidamente, mas, como assinala o nosso Francisco de Holanda, tem sempre origem na imaginação. O esquisso é por isso um desenho que se aproxima de uma atitude projectual, de previsão de soluções para um problema. Os desenhos dos diários gráficos são desenhos de contemplação e de degustação. Pouco tem a ver com o projecto. São, neste sentido, inúteis.
É fácil descobrir ligações entre apontamentos de observação de cadernos de alguns autores e projectos posteriores dos mesmos, mas as influências que uns têm sobre os outros, salvo algumas excepções, é rara. E isso é, muitas vezes, dito pelos próprios autores citados. Conclusão: Desenhar faz bem, e isso acaba por se reflectir em tudo o resto que fazemos.
Bom fim-de-semana.

8 comentários:

JASG disse...

Mais uma bela lição...

Eduardo Salavisa disse...

Conceitos muito bem explicados. Não há nada como irmos à etimologia. Por mim, não sou assim tão pesado.

Anónimo disse...

Fiquei com a impressão que entre painel e plateia, estavam em braço de prata quase todas as mãos de ouro deste cantinho à beira mar plantado. Tenho pena de não ouvido os mestres. Mas vou lá hoje tirar a barriga de misérias.
Abraço e bom fim de semana

D. R. disse...

O desenho é um belo de um remédio! Bom fim de semana.

Pedro disse...

O assunto está muito bem estudado!

Claire-Françoise Fressynet disse...

José, tens ai tudo muito bem explicado mas ainda assim desgosto que tenham escolhido a palavra inútil.
Desenhar/ver/olhar, expressões essenciais para a conquista da paz,
disciplina que esta em falta nas escolas....
Bom domingo.

ma grande folle de soeur disse...

... verifica só se a grafia em italiano é schizzo... não tenho a certeza mas parece-me... ;)

Claire-Françoise Fressynet disse...

A palavra “inútil”para definir o conceito de diário gráfico parece-me criar uma enorme ambivalência. Perdida do contexto a palavra retira qualquer sentido de diário gráfico e deste blog, consequentemente a qualquer tipo de arte e sua demonstração e é lamentável se este adjectivo for mal interpretado.